



Fogo
Reconheço no peso do título a mesma potência que acumulei durante anos, aquela que me permitiu emigrar sem preconceitos, sem prejuízos, deixando os medos para trás, caminhando hoje, dia a dia, rumo ao vazio. Família, amizades, relacionamentos abandonados pelo caminho e resgatados diariamente, coincidências encontradas no agora. Com o fogo reconheço a contundência de uma devastação que inevitavelmente deixa espaço para o novo.
O vazio torna-se presente, simbólica e fisicamente. As obras abandonam um material reconhecível e passam para um estado onde a imaginação é o elemento fundamental. Devemos imaginar o que um dia foi. O vácuo é latente e a nova matéria ficará indefinidamente encapsulada no tempo. O desapego do material questiona aspectos sociais atuais em que prevalece o acúmulo de bens, objetos e riquezas. A fogueira limpa e assim elimina um estado ambíguo e disfuncional.
Documentar, acumular, queimar, triturar e reorganizar. Situações que levam a novas considerações e nos aproximam de nossa única certeza. A certeza de que um dia o mesmo caminho marcará um ponto final nessa jornada que é viver.
Barcelona, julho 2016
Um retorno ao início. Partículas em combustão transformam a matéria. Produzem a renovação de um estado.
Um novo começo. Um ponto inicial que separa infinitas possibilidades. Queimar anos de trabalho dá origem a uma transformação, uma alquimia gerada pelo fogo modifica praticamente vinte anos de produção. Um passeio no tempo, em direção às minhas origens... em direção à minha história. O regresso a tempo passados onde o meu tempo é protagonista. O espaço temporário dedicado a estas obras é um tempo introspectivo investido em intermináveis horas de dedicação. Algo com mais de quinze anos que se transformou em cinza, a mesma que contará novos tempos. O meu e o dos outros. O mesmo tempo que impõe respeito à vida, que nos apresenta de forma direta com nossa desaparição iminente.
A coisa mais preciosa que podemos possuir: nosso próprio tempo. O fogo como meio de transmutar uma etapa, sem esconder o seu traço, sem perder o seu conteúdo e sem deixar para trás o peso da passagem do tempo. A alquimia de todo esse acúmulo é o precedente de um novo perdurar. Uma fase renovada, livre de amarras e limitações.

























